Surto de Sífilis no Brasil 230 mil casos.
- Samantha Lêdo:
- 25 de out. de 2016
- 9 min de leitura

O Ministério da Saúde admitiu nesta semana que o Brasil enfrenta uma epidemia de sífilis. Entre junho de 2010 e 2016 foram notificados quase 230 mil casos novos da doença, de acordo com o último boletim epidemiológico do governo.
Três em cada cinco ocorrências (62,1%) estavam no Sudeste e a transmissão de gestantes para bebês é atualmente o principal problema.
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O ministro da Saúde, Ricardo Barros, admitiu que o país vive uma epidemia de sífilis. Nos últimos cinco anos, a doença avançou de uma forma nunca vista. A taxa de bebês com sífilis congênita em 2015 foi de 6,5 casos a cada mil nascidos vivos – 13 vezes mais do que é tolerado pela Organização Mundial de Saúde e 170% a mais do que o registrado em 2010.
A sífilis em gestante passou de 3,7 para 11,2 casos a cada mil nascidos vivos, um aumento de 202%. Para sífilis adquirida (denominação dada para sífilis na população em geral) a taxa é de 42,7 casos a cada 100 mil habitantes.
“Os casos subiram em número significativo. Estamos tratando o problema como epidemia até para que resultados da redução sejam mais expressivos possíveis”, disse o ministro, durante o anúncio na quinta-feira de uma estratégia para combater a doença.
Pacto de combate à doença
O pacto pretende mobilizar profissionais de saúde e a sociedade para tentar reduzir o avanço da doença. Entre as medidas que serão adotadas está a ampliação de testes rápidos para diagnóstico da sífilis e o tratamento da doença em gestantes, até o primeiro trimestre da gestação. Números antecipados pelo Estado indicam que pelo menos 50% dos casos de sífilis em gestante são diagnosticados no terceiro trimestre de gestação, quando as chances de se proteger o bebê já são bem menores do que quando a terapia começa na primeira fase da gestação.
Um dos braços do programa de enfrentamento prevê a realização de campanhas para que gestantes iniciem o pré-natal ainda no primeiro trimestre. De acordo com a diretora do programa de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Adele Benzaken, há ainda uma falsa ideia de que as mulheres devem esperar a barriga crescer para procurar o pré-natal.
Aumento de casos de sífilis e outras doenças preocupa autoridades
Número de grávidas com a doença subiu de 1,8 mil para 21 mil em 9 anos. Dados preliminares apontam 28 mil casos em 2014.
A situação foi qualificada como "epidemia" somente agora, mas vem se desenvolvendo há mais tempo.
Em 2015, por exemplo, no país todo, foram notificados 65,878 casos. A maioria desses ocorreu na região Sudeste (56,2%) e afetou pessoas na faixa etária dos 20 aos 39 anos (55%), que se auto-declaram da raça branca (40,1%).
Não há dados majoritários sobre o nível de escolaridade, pois em 36,8% dos casos reportados essa informação não foi preenchida.
Em 2010, a incidência da doença em homens era maior - cerca de 1,8 caso para cada caso entre mulheres. Essa média caiu para 1,5 homem/mulher em 2015. Ou seja, as mulheres são o grupo cuja vulnerabilidade vem aumentando.
Estágios da Sífilis
A doença evolui por estágios, havendo três fases: a sífilis primária, secundária e terciária. Os sinais e os sintomas verificados irão ser diferentes de fase para fase. Assim, no primeiro estágio, aparece a lesão mais característica desta doença: o cancro duro. A úlcera indolor aparece nesta altura na zona genital da pessoa infetada.
Na fase seguinte, começam a ocorrer lesões na pele, sobretudo na região das mãos e dos pés. Na última fase, mais avançada, poderão manifestar-se efeitos mais graves, nomeadamente a nível neurológico, cardiovascular e articular.
Também as lesões dermatológicas propagam-se a todo o corpo. Pode ainda aceitar-se um estágio entre a fase secundária e a terciária, em que a doença fica latente durante algum tempo.
A sífilis, se não for tratada, poderá ser fatal e levar à morte do indivíduo. Se não for tratada convenientemente, poderá deixar lesões bastante graves no sistema nervoso e também no coração. A Sífilis terciária(imagem)

Além do aumento dos casos de dengue e de Zika no Brasil, a evolução dos números de outras doenças também preocupa.
Uma mulher tomou um grande susto. Uma mancha nas costas e um diagnóstico nada agradável há pouco tempo: sífilis. Ela pegou a doença numa relação sexual sem camisinha. “Eu nunca imaginei que poderia ter sífilis na minha vida, nunca. Nunca. É muito estranho. Assim, é desesperador”, afirma.
Estranho, mas comum. Os casos de sífilis estão crescendo no Brasil, ao contrário do que acontece no mundo, e com graves consequências. Ela pode passar de mãe para filho e causar no bebê danos no cérebro e deformações.
A notificação de sífilis em gestantes é obrigatória desde 2005. Em nove anos, o número de grávidas com a doença subiu de 1,8 mil para 21 mil. E dados preliminares apontam 28 mil casos em 2014.
O tratamento é simples - é usado um antibiótico muito conhecido, a penicilina. Mas, o medicamento começou a faltar no exterior e afetou o Brasil. Estados e prefeituras enfrentam dificuldades para comprar o remédio.
Um documento interno do Ministério da Saúde relata que no fim de janeiro, 60% dos estados não tinham penicilina.
O diretor do departamento de doenças sexualmente transmissíveis e Aids pede urgência na compra para combater sífilis em adultos e bebês.
Em Goiânia, a Secretaria de Saúde confirma a falta da medicação. O ministério informou que fez uma compra emergencial de penicilina - quase três milhões de frascos. Os primeiros lotes chegam em março.
Especialistas afirmam que estamos em uma epidemia por falhas na saúde pública e falta de prevenção.
“O acesso ao pré-natal é ruim, o diagnóstico de sífilis é tardio e o tratamento não está sendo feito adequadamente por falta do medicamento muitas vezes e por ele ser, o tratamento está sendo tardio”, diz Tânia Vergara, vice-presidente da Sociedade de Infectologia – RJ.
“É espantoso o aumento de casos de sífilis, seja no consultório público ou privado, seja nas classes sociais menos favorecidas e até em classes mais altas. Sífilis é uma doença que hoje não escolhe classe social”, comenta Alexandre Cunha, infectologista.
Os médicos também alertam para o crescimento de outras doenças sexualmente transmissíveis como gonorreia e herpes genital, que não constam nas estatísticas do governo. O secretário de atenção à saúde diz que o hábito do preservativo precisa voltar.
“O uso da camisinha diminuiu entre os jovens, existem várias pesquisas demonstrando isso e isso amplia o risco não só pra sífilis, mas para as outras doenças sexualmente transmissíveis”, afirma Alberto Beltrame, secretário de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde.
Os casos de sífilis congênita, de transmissão da mãe grávida para o bebê, também cresceram expressivamente.
No ano passado, a cada mil bebês nascidos, 6,5 eram portadores de sífilis. Somente cinco anos antes, em 2010, esse número era de 2,4 bebês em cada mil nascimentos. Ou seja, a incidência da sífilis congênita praticamente triplicou em meia década.
A BBC Brasil conversou por email com a médica colaboradora da Organização Mundial de Saúde (OMS), Nemora Barcellos, para entender a doença e a epidemia atual. Leia abaixo os principais pontos da conversa:
BBC Brasil - O que é sífilis?
Nemora Barcellos - Sífilis é uma doença infecciosa sistêmica, crônica. Ela se manifesta em diferentes estágios. Sem tratamento, apresenta evolução em fases: inicialmente com feridas na pele, pode evoluir para complicações que levam ao óbito, podendo afetar o sistema cárdio-vascular e neurológico. A causadora da doença é a Treponema pallidum , uma bactéria espiralada altamente patogênica. A sífilis é uma infecção muito antiga e recebeu inúmeras denominações ao longo dos séculos.
BBC Brasil - Quais são as formas de transmissão?
Dra Barcellos - A principal forma de transmissão é o contato sexual. A gestante também, por via hematogênica (pelo sangue), transmite para o feto a bactéria em qualquer fase da gravidez ou em qualquer estágio da doença. A transmissão via transfusão de sangue pode ocorrer, mas atualmente é muito rara, em função do controle do sangue doado.
BBC Brasil - Quais as formas de prevenção?
Dra Barcellos - A principal forma de prevenção é o uso de preservativos no ato sexual. O tratamento correto e completo também é considerado uma forma eficaz de controle, pois interrompe a cadeia de transmissão. O tratamento de ambos os parceiros é muito importante na prevenção para impedir que ocorra a re-infecção, garantindo que o ciclo seja interrompido.
Em relação à sífilis na gestante e à sífilis congênita, é importante o diagnóstico precoce. É necessário testar todas as mulheres que manifestarem o desejo de engravidar. Um pré-natal qualificado pressupõe como rotina exames para o diagnóstico da sífilis no primeiro trimestre, de preferência já na primeira consulta.
Uma epidemia de sífilis vem sendo reconhecida no Brasil nos últimos anos.
Foto: iStock
BBC Brasil - As pessoas devem estar atentas a quais sintomas para suspeitar da doença? E como devem reagir nesse caso?
Dra Barcellos - O primeiro sintoma, o cancro duro, no homem é mais visível. O problema maior é seu desaparecimento espontâneo dando a impressão de que a cura ocorreu sem tratamento. Nas mulheres, por questões anatômicas, não é raro o cancro duro inicial passar desapercebido. O histórico de prática sexual sem uso de preservativos deve ser investigado com seriedade em consultas, seja na atenção básica, seja com especialistas da área de ginecologia ou urologia. A existência de testes rápidos para sífilis facilita muito a investigação.
BBC Brasil - Quais as principais causas da atual epidemia de sífilis?
Dra Barcellos - O esgotamento do impacto das campanhas de uso de preservativos e da sua ampla disponibilização parece ser um dos fatores do recrudescimento dos casos de sífilis. Por outro lado, a implicação do desabastecimento de penicilina afeta a evolução individual da doença e a possibilidade de cura. A ideia é que muitos fatores estão implicados no presente crescimento dos casos. Corroborando essa ideia vale ressaltar que o crescimento da epidemia se iniciou antes de se tornar visível e importante a falta do medicamento.
BBC Brasil - Por que a sífilis congênita é o maior problema agora?
Dra Barcellos - A sífilis congênita, passada de mãe para filho, dependendo da intensidade da carga bacteriana, pode resultar em aborto, natimorto ou óbito neonatal. A doença também pode ficar disfarçada e causar o nascimento prematuro de bebês com baixo peso, com outros sintomas como coriza mista de sangue e ranho, sinais e sintomas ósseos, inchaço do fígado e do baço, pneumonia, edemas, fissuras nos orifícios, entre outros males, que podem resultar na morte da criança. Mas o tratamento, quando adequado e precoce, oferece uma excelente resposta.
Os casos de sífilis congênita representam um indicador perverso das lacunas ainda existentes no sistema de saúde vigente, incapaz de identificar mulheres mais vulneráveis e oferecer-lhes acesso e qualidade no cuidado pré-natal.
Cancros são um dos sintomas da doenças, mas seu desaparecimento não indica cura.
Foto: Science Photo Library / BBCBrasil.com
BBC Brasil - Como a doença se desenvolve?
Dra Barcellos - Na população em geral, a sífilis apresenta diferentes formas de manifestação, de acordo com o período de evolução da doença:
1) Sífilis Adquirida Recente:
Sífilis primária - apresenta lesão genital inicial denominada cancro duro, uma espécie de ferida rígida, com inflamação periférica, que costuma desaparecer espontaneamente em cerca de 4 semanas. O período de incubação médio é de 21 dias;
Sífilis secundária - manifestações da disseminação da bactéria no organismo, o que ocorre após 4 a 8 semanas do desaparecimento da primeira ferida. Aparecem então lesões de cor rosada eruptiva, parecidas com o sarampo, mas que não coçam. Essa é a manifestação mais precoce da sífilis secundária. Outras lesões podem surgir posteriormente, como manchas e feridas nas palmas das mãos e dos pés, na boca, inchaço dos nódulos linfáticos e glândulas, queda de cabelo em formato de "clareira" e condilomas planos; que são erupções na região genital-anal.
A Sífilis Latente Precoce é silenciosa, não apresenta manifestações clínicas e só a sorologia pode dar o diagnóstico.
2) Sífilis Adquirida Tardia:
A Sífilis Adquirida Tardia inclui a Sífilis Latente Tardia e ocorre se os portadores da infecção não foram foram adequadamente tratados ou diagnosticados. O período que a doença permanece no organismo sem se manifestar é variável.
As formas de apresentação desta fase da doença, também conhecida como Sífilis Terciária, ocorrem em períodos que vão de 2 a 40 anos e são:
Sífilis tardia cutânea - lesões na pele em forma de gomos e nódulos altamente destrutivas; Sífilis óssea; Sífilis cardiovascular - aortite sifilítica, principalmente, determinando insuficiência cardíaca; Sífilis do sistema nervoso.
BBC Brasil - Como é o tratamento?
Dra Barcellos - A penicilina G é a droga preferencial para o tratamento da sífilis em todos os estágios da doença. O tipo do antibiótico (benzatina ou cristalina), a via (se por soro ou injeção) e a dosagem dependem das manifestações clínicas e da presença ou não de co-infecção pelo HIV, vírus da Aids. A sífilis terciária necessita um período maior de tratamento. A efetividade da penicilina no tratamento da sífilis está muito bem estabelecida e baseada na experiência clínica de muitas décadas, em estudos observacionais e em ensaios clínicos.
Os casos de sífilis congênita devem ser tratados com penicilina G cristalina e o acompanhamento da criança também está condicionado à adequação do tratamento da mãe. Portadores de alergia à penicilina podem se beneficiar de dessensibilização controlada.
BBC Brasil - A falta de penicilina foi um fator preponderante?
Dra Barcellos - O desabastecimento de penicilina, embora mais sentido no Brasil, em função do aumento do número de casos e da maior necessidade de medicamentos, não é uma exclusividade brasileira. Ele foi também sentido nos Estados Unidos e Canadá. A gravidade é que o quadro de desabastecimento não parece representar um problema pontual ou temporário.
A penicilina benzatina é um produto barato, para populações na maioria das vezes marginalizadas e que provavelmente confere um lucro baixo aos fabricantes. O desinteresse das empresas farmacêuticas na produção dessa substância se alinha ao desinteresse na produção de pesquisa e de novas drogas para outras doenças, também características de países em desenvolvimento, conhecidas como doenças negligenciadas, na sua maioria infecciosas.
BBC Brasil - Como é a situação da indústria farmacêutica no Brasil?
Dra Barcellos - No Brasil, a indústria farmacêutica não realiza a síntese das substâncias, ela adquire o princípio ativo e faz o produto final, dependendo, para tanto, de fornecedores internacionais como a Índia e a China. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Eurofarma, e outras três empresas possuem o registro para produzir a penicilina benzatina.
Aparentemente, o que ocorreu foi uma redução de fornecedores mundiais da penicilina nos últimos anos e a necessidade de buscar outras opções. O Ministério da Saúde tem se manifestado explicando que o problema é resultado da escassez mundial no suprimento de matéria-prima acrescido de problemas pontuais da qualidade da penicilina produzida.
BBC Brasil - Você acredita que poderia ter ocorrido uma asfixia intencional da oferta de penicilina por parte das farmacêuticas para elevar o preço?
Dra Barcellos - Creio que os motivos são múltiplos e esse seria um deles a compor com as questões que já mencionei.
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Veja agora algumas notificações do boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde: Sífilis
Fontes:
http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2015/57978/_p_boletim_sifilis_2015_fechado_pdf_p__18327.pdf
BBC Brasil
Jornal Nacional
http://veja.abril.com.br/saude/brasil-vive-epidemia-de-sifilis/




































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